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Na Esplanada com Alice Vieira


Alice Vieira nasceu em Lisboa no dia 20 de Março de 1943. Em 1979 lançou “Rosa, Minha Irmã Rosa” o seu primeiro grande sucesso e o início do que viria a ser a sua carreira de escritora. Aos 71 anos, com mais de 80 livros publicados, mantém-se alegre e dinâmica. Jornalista e comunicadora nata, recebeu-nos cheia de boa disposição em sua casa.

-O que é que as pessoas não sabem sobre a Alice Vieira?
Acho que muito pouco! Até porque falo muito, comunico muito, vou a muitos sítios, porque falo com muita gente nas redes sociais. Há coisas que as pessoas sabem mas não souberam por mim. Acho que tudo o que tem a ver com a saúde das pessoas, para mim é uma coisa que as outras pessoas não têm nada que saber. Por exemplo a minha querida amiga Leonor Xavier escreveu agora um livro lindíssimo que é o “Passageiro Clandestino”. É sobre o cancro, fala da experiência dela. É extraordinário e eu gostei imenso de o ler. Eu era incapaz de o escrever. De resto, da minha vidinha pessoal sabem tudo. Chega-se à saúde, acho que as pessoas não têm nada que saber. Tirando isso falo de tudo e mais alguma coisa, não tenho problema nenhum até porque não tenho nada para esconder.

- O que é que sentia quando os livros eram os seus amigos e os seus brinquedos?
Foi uma infância muito complicada. Os livros, os papéis e as canetas realmente foram o que me ajudou a sobreviver porque eu lia aquelas coisas todas e eu imaginava-me a viver aquelas histórias. Eram no fundo as companhias que eu tinha. Aprendi a ler e a escrever sozinha, não sei como porque não me lembro de mim sem saber ler nem escrever e isso foi o que me valeu. Mas acho que o tipo de infância que eu tive, deu-me muita coisa boa. Por exemplo, não me incomoda mesmo nada estar sozinha, nem me aborrece, até gosto. Há sempre coisas para fazer, ou escrever, ler um livro ou observar as pessoas. Outra coisa que a minha infância me deu, foi ter pensado que se algum dia tivesse filhos eles nunca passariam pelo mesmo que eu, e cumpri. Permitiu-me perceber e apreciar muito mais aquilo que é bom.

-Na sua infância contava muitas histórias para o espelho. Chegou a passar algumas delas para o papel?
É verdade. Como não tinha ninguém da minha idade, gostava muito de ler em voz alta em frente ao espelho, o que me deu uma fama de vaidade que nem queira saber. Mas naquela altura não, as histórias que eu lia em frente ao espelho eram todas lidas, não eram histórias que eu inventasse. Aliás, embora eu escrevesse muito, só por volta do meu 5º livro publicado é que eu comecei a pensar que, se calhar eu ia ser escritora, porque não era essa a minha profissão.

- O que é que o jornalismo lhe deu?
Tudo. Para já, quando me perguntam a profissão eu digo sempre que sou jornalista e também escrevo livros. Comecei no jornalismo muito nova, tinha 17 ou 18 e acho que a minha escrita é uma escrita de jornalista, porque aprendi a ser concisa. Se eu posso contar uma história em dez linhas, para que é que hei-de contar em vinte? E depois, para mim, e as professoras zangam-se muito quando eu digo isto nas escolas, os adjectivos não servem para nada. Adjectivo só se for aquele e mais nenhum. Não é por pormos muitos adjectivos, e muitos advérbios que conseguimos a emoção que nós queremos dar ao leitor. Também me deu o gosto por escrever sobre a realidade, e se calhar por isso é que eu tenho tão poucos livros com histórias inventadas.

- Será o facto de não escrever para os outros e sim para si um dos motivos do seu sucesso?
Se calhar porque eu só penso nos outros, digamos, quando estou a escrever para muito pequeninos. Aí tenho de ter uma preocupação muito grande, se percebem ou não percebem. De resto realmente escrevo para mim, e eu já sou um público tão exigente, emendo tanto e deito tanto fora até estar como eu quero, e acho que não penso neles porque se calhar era levada a pôr coisas só para eles gostarem. As vezes em que penso nos meus leitores são por exemplo quando penso num personagem que gosta de música, o que é que ele vai ouvir? Aí tenho que perguntar à minha neta mais velha, “olha lá o que é que gostar de ouvir agora?”. Ela diz-me, mas eu primeiro vou ouvir para ver se é bom ou se não é. Mas ela tem muito bom gosto. Só em situações dessas é que eu peço ajuda, mas é evidente que eu acompanho os tempos em que estou a viver.

- Aos 71 anos ainda continua a percorrer em média 80 escolas por ano?
Este ano tive problemas de saúde e pedi um ano sabático para recuperar. Disse aos meus patrões para não contarem com nenhum livro. Continuo a visitar as escolas mas já não vou a tantas como ía.

- Quais são as principais diferenças entre a Alice Vieira e a Filipa Sousa e Silva?
Concorri e ganhei o prémio Maria Amália Vaz de Carvalho sob esse pseudónimo, e quando abriram o envelope nem acreditaram que era eu. Eu concorri ao prémio por ser o primeiro texto de poesia que mostrei, porque se perguntasse aos amigos todos me iam dar palmadinhas nas costas. Assim era um pseudónimo, sabiam lá quem era, sempre me dava alguma garantia. Mas a poesia é tão diferente que acho que há realmente uma exposição grande que não há nos outros livros. É algo que me sai naturalmente. Por exemplo, podem pôr-me um prazo de dois meses para um romance, mas não para um livro de poesia.

- Escrever é ser livre?
Acho que sim, mesmo em tempos que as pessoas não o eram, a escrita era uma tentativa de ir contra o que era obrigatório ou proibido, mas foi sempre um exercício de liberdade, isso acho que sim. Penso que a escrita só depende de nós e por isso é a nossa liberdade de fazermos o que realmente queremos.

- Quantas máquinas de escrever ainda guarda? Ainda tem saudades do barulho das teclas?
A Remington é a única que eu guardo. Porque era a única que era minha. É mais velha que eu, veio de uma das casas onde eu andei. Ainda escrevi nela, por exemplo o “Rosa, minha irmã Rosa”. Depois arranjei uma outra máquina que dei, e depois apareceram os computadores. A Remington até já esteve numa exposição na biblioteca de Ovar, e as duas máquinas mais velhas que lá estavam era a minha e uma do Fernando Peça.

- Sempre levou a vida prego a fundo mesmo quando lhe definiram um prazo de validade. Envelhecer é para si uma motivação ou uma limitação?
O prego a fundo tem algumas desvantagens, que as pessoas estão tão habituadas que depois quando eu digo que estou cansada não acreditam. Mas envelhecer para mim é uma realidade. Eu entro bem em qualquer idade, nunca tive aquela ideia do “Ai estou tão velha”. Há uma limitação é lógico. Uma prima minha que dizia que a juventude de espírito não nos ajuda a subir as escadas, e é verdade. Mas pode ajudar noutras coisas e realmente temos é que saber aproveitar aquilo que temos. Eu não trocava a minha vida agora pela minha vida para aí com vinte anos, porque cada idade tem a sua maneira de estar.

-Continua a ir ao ginásio pela manhã?
Já não, devia ir mas agora parei. Eles estão inconsoláveis e de vez em quando telefonam-me para saber quando é que eu volto. Mas fez-me muito bem por acaso fez.

- Se o mundo estivesse calado a ouvi-la, o que diria?

Para mim o Mundo é uma coisa que eu não sei o que é. Eu sei o que é o meu país, o meu bairro a minha rua, isso eu sei. Agora o Mundo é uma coisa muito grande, não sei o que lhe diria. 
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